A Última Crônica

Matheus B. S. Brandão
5 min readNov 9, 2021

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Estava andando, andava enquanto conversava com meu amigo de anos, não o via há muito tempo, sentia uma saudade, não somente de sua pessoa, mas um sentimento que transcendia momentos e lugares. Tipicamente, meu ar adolescente florescia em uma noite adulta, onde dois homens jovens iam ao bar, mais uma vez, conversar de coisas da vida adulta, que basicamente incluíam anseios e dores, algo tão comum entre adultos, tal como em crianças, como em adolescentes e em idosos pensando em aproveitar sua mísera aposentadoria.

Era engraçado, pois acreditávamos que andando muito encontraríamos nosso destino, até nos darmos conta, que andar muito até um lugar não é suficiente para chegar lá, na verdade, tínhamos tomado o caminho errado, e como dois idiotas caminhávamos ao caminho oposto. Não sei se era a saudade de andar como andarilhos despreocupados em uma sexta, todavia, andar “errado” me dava uma estranha sensação de nostalgia, como um herói que caminha para sua aventura, mesmo sabendo que nessa aventura não há castelo, nem princesa e tampouco existe um herói.

Quando finalmente havíamos chegado ao bar, pedimos algo e nos pomos a conversar algo semelhante a todos os indivíduos daquele espaço, os quais rompiam sua rotina ao entorno de uma nova rotina. Todavia, havia algo, alguém ali não se encaixa na monotonia típica de um bar de classe média alta em Botafogo. Pus-me a observar uma mulher que não estava acompanhada, sentimentalmente ou experimentalmente, ela bebia um gole e outro em uma frieza e calmaria de uma dignidade admirável. Sua destreza, entre o beber e olhar o celular havia me feito deduzir que…

Olhe, cara… Aquela garota sozinha deve estar esperando alguém, ela parece interessante, mas isso foge ao padrão. Passaram-se horas, ninguém chegava, ela bebia seu drink, de maneira inalterada olhava o celular. Não era um encontro, não era alguém, estávamos em um bar fechado, ela em uma mesa aberta, mas por que este autoisolamento em sua isolação? Não me fazia sentido.

Minha atenção por vezes se deslocava para aquela jovem… Seus olhos verdes tão arredondados, seu rosto circular, sua cor branca, mas não pálida, um branco vívido, seu casaco que parecia de certa classe, enquanto segurava uma bolsa, seu gesticular suave, como de uma moça que conhecia todo o espaço, mas que não pretendia acidentalmente esbarrar em suas bordas, ela via em seu entretenimento, talvez uma entediante e utópica menção de viver separadamente naquele espaço, ao passo que esperava ansiosamente por algo.

Eu, um mero expectador, me fazia divagar sobre aquela jovem, minha atenção não era carnal ou sexual, observava com um interesse, pois de certa forma sentia uma atração, não física, mas psicológica. Seu ato de olhar descompromissada para o nada, enquanto esperava por algo que eu não conseguia captar, atiçava meu interesse. Talvez, minha curiosidade me puxasse, eu sou um velho de alma, já vi tantos rostos, com cores, gêneros, pensamentos e blá blá blá distintos, honestamente, não me lixava para ver mais uma mulher padrão ou não em qualquer lugar.

Talvez soasse babaca, mas não me preocupava com mais um humano reproduzindo seu “everyday life” em um espaço, assim como desejava que não fosse visto por humanos igualmente idiotas como eu. Entretanto, aquela jovem tinha algo diferente, algo que rompia com a normatividade dialética amaldiçoada que me acostumava a ver e a apostar em noites como estas. Não é preciso ter rosto para dizer que rostos têm identidades e que não são superiores a ratos atrás da porra de uma ratoeira na esperança de conseguirem um queijo.

Sabe como é, leitor, foda-se seu pensamento mesquinho, mas não somos melhores que ninguém, necessitamos admitir que somos menos honrosos que os tais animais irracionais que vivem por aí. Aquela moça me chamava atenção por não ser uma águia e nem um abutre em uma noite de sexta-feira, tal qual costumo ver todos os dias em todos os lugares e em todas as situações. Ela simplesmente tinha tomado seu último drink e caminhado para o último andar daquele bar.

Eu e meu amigo já havíamos tomado nossas últimas bebidas, lá era um lugar aconchegante, ansiávamos por música, por melodia, algo que nos lembrasse que estávamos vivos. Decidimos então subir ao último andar. Ele não sabia, mas a garota que eu observava estava lá, não era fixação, mas era uma curiosidade, desajustados se conhecem só pelo olhar, por isso sempre precisamos andar unidos ou termos a sensação de estarmos em harmonia.

Ao subir verifiquei que ela estava lá, todavia, fui para um canto da parede, um reconhecido lugar na lateral, onde nada poderia estar atrás de mim, não me importava se alguém estivesse à frente, eu somente não gostaria de ter que me desdobrar ou atingir algo que não visse. Meu doce canto, era meu, ali eu poderia ser eu, não me importar com problemas, não esbarrar em ninguém. As paredes me continham, meu ímpeto e meu desejo, elas cerceavam também a maldade e a arrogância das pessoas.

Infelizmente, meu amigo, de uma natureza mais aberta, havia me puxado para uma roda. Pessoas que eu não conhecia estavam ao meu redor, eu não era amigo deles e nem eles meus, por que compartilhar melodias, momentos, sensações, juntos? Em outra situação seríamos inimigos declarados, ou talvez, naquele próprio quando um babaca usasse sua personalidade para se impor sobre outro, como era tão fatídico das patricinhas e playboys daqueles espaços que me olhavam torto quando eu tentava ser eu mesmo, em um bar que se denominava ser mais meu que deles.

Aquela garota agora estava do meu lado, seu corpo mediano e magro, seu cheiro que era doce, mas não um produzido artificialmente, seu cheiro doce como sua áurea. Seu ar descontraído enquanto cantava as mesmas músicas que todos nós, sua movimentação, como de alguém que não mais esperava alguma coisa, que na verdade, estava aberta. Não, não era uma cantada, não era um beijo, não era isso, era algo mais belo e puro, como se fizesse me lembrar momentos em que o mundo era menos cinza, ao menos para mim.

Sem delongas, havia me afeiçoado àquela pessoa que anteriormente observava com curiosidade, então me virei para seu lado, delicadamente, toquei rapidamente a palma de sua mão e me senti obrigado a fazer duas perguntas. Uma era retórica sobre sua condição de estar sozinha ou não naquele lugar. E uma bem mais agridoce e ousada, cuja reposta inviabilizava uma negativa. Talvez sim, talvez não, eu a olhei e com uma rápida troca de olhares, consequencialmente a primeira resposta. Eu gentilmente lhe perguntei: “Você quer ser adotada?”

A presente crônica foi baseada em fatos reais.

Autor: Matheus B. S. Brandão

Revisor Ortográfico: Wesley Alves

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Matheus B. S. Brandão

Master in International Relations. Amateur writer in his spare time. Enthusiast of philosophy, art and nature.