Hórus: A Guerra que acabaria com todas as guerras.

Matheus B. S. Brandão
7 min readFeb 13, 2022

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Há muitos anos, jovens do mundo inteiro se lançavam ao precipício em nome de um conflito armado conhecido por muitos nomes, mas que para todos seria a guerra que acabaria com todas as guerras. Em nome da palavra “último”, nós, humanos, debruçamos o último pingo de nosso suor, lágrimas e sangue para este tão almejado final, como se o fim fosse o desejo mais ardente de todo ser vivente, talvez porque seja neste ato de pensar que em um mítico encerramento podemos, enfim, repousar nossas almas.

Não era surpresa, as coisas não iam andando muito bem. Após um revés inesperado que me custara tão caro, estava cabisbaixo. O castigo mais alto é pagar caro no final. De certo, a verdade é que amamos bons começos, embora, como dizia Shakespeare, tudo está bem quando acaba bem. Eu havia recebido uma mensagem inesperada naquela ocasião, uma daquelas que era mais um revés no meu doce sonho de adolescente, adolescência essa que fora um filme de terror e não uma alegoria à la Netflix.

Essa não é uma grande história, ao menos não para você querido leitor, mas se quiser perder alguns minutos, segure minha mão, agora precisamos analisar e traçar uma aventura não arquitetada. Após a mensagem recebida, eu tinha uma hora para tomar uma decisão que poderia ser um fiasco ou até mesmo alterar para sempre o destino da minha vida. Pode parecer exagerado, contudo, nossos destinos mudam abruptamente, não porque tomamos uma grande decisão, mas porque escolhemos algumas pequeninas… Bem, ao menos me recordo que já fui assaltado por perder um ônibus.

Eu decidi tomar a decisão mais difícil, cruzar duas cidades com uma mochila e retornar no mesmo dia. Não havia mais ônibus em minha cidade para ir a tal lugar, o destino aparentava dizer não, entretanto, não é porque não existem barcos que não é possível navegar. Pesquisei por dez minutos, descobri que para outra cidade havia um ônibus já partindo. Peguei um Uber, comprei a passagem na rodoviária e, faltando apenas 3 minutos para a partida, entrei no ônibus com destino aos alpes do Rio de Janeiro.

Tenho certa experiência com os alpes, se já viu meu conto sobre o Vale das Cerejeiras, compreende bem o que escrevo. Eu demorei poucas horas para chegar até meu destino, estava com fome e bem perdido, fui em uma lanchonete e comprei uma coxinha que custou 6 contos. Sua temperatura, gosto e tamanho deixavam a desejar, ou, de maneira mais simples, estava uma merda. Não havia nada ali, nenhum lugar em que fosse possível andar, uma rodoviária fora do centro, uma maneira de forçar o turista a usar táxi ou Uber. Meu prejuízo gerava lucro aos seus habitantes, talvez fosse injusto, ou não… Foda-se. Paguei mais 17 reais para chegar ao centro de uma histórica e bela cidade.

Embora fosse grandinho, eu estava à mercê do destino, os deuses estavam em silêncio, e somente me restava não a fé, mas a paciência e benevolência para suportar o que minha fé me fez fazer. Certamente, meus amigos iriam rir de mim, seria uma boa história caso desse errado, mais uma para uma coletânea de platina que fazia os maiores comediantes serem trainees perto de um PH.D de 24 anos. De todas as formas, estava preparado para o fracasso, mas o sucesso… E se desse certo? E se tivesse o êxito? Isso me assustava bastante. Desde 2019 só obtive um grande acerto, as demais escolhas tiveram fins dignos de uma surra de pai alcoólatra ex-membro do Dops.

Saltei do Uber, andei alguns passos, olhei o celular para me assegurar que estava no lugar correto, caminhei até uma praça, uma bem cuidada, que havia resistido ao desgaste do tempo. Nela havia cadeiras de madeira rústica, conservadas, que traziam à mente o tempo histórico de que faziam parte. No centro da praça havia uma estátua em pedra, bem delineada, na qual dizeres perfeitamente escritos em uma placa de metal contavam sobre um personagem histórico. Eu sabia que precisaria esperar talvez mais de vinte minutos. Andei com minha mochila que não estava muito pesada, sentei-me em um banco em frente à estátua que nada mais era que um homem sentado em posição pensativa que representava um importante ex imperador.

Durante a espera, comecei a pensar na sorte que tive ao entrar em um carro com teto transparente. Olhar o céu nublado dos alpes era lindo, e mesmo em um verão tão quente na superfície, aquele lugar abrigava temperaturas amenas, que por um instante faziam parecer que eu estava sob uma estação distinta. Embora meus pensamentos se prendessem ao breve passado, eu pensava na principal razão para tamanha loucura, uma pessoa tão racional e estável, sendo por um dia um adolescente em outra cidade esperando uma promessa.

Por vinte e tantos minutos esperei, e vi, era igual a foto, a grande diferença é que devido a uma pandemia de dois anos, todos usavam máscara. Andando rápido, aquela moça vinha perfeitamente consciente do espaço da cidade, ela cortou para a direita a fim de me pegar em meu ponto cego, sua intenção era me dar um susto, ou melhor, me fazer uma surpresa, entretanto, esse movimento eu já conhecia, talvez fosse o primeiro momento, ao menos fisicamente, que éramos semelhantes. Ela sorriu porque percebeu que eu estava em pé exatamente onde ela tentaria me assustar, mesmo com sua máscara, seu sorriso se transmitia em seus doces olhos azuis, que distintamente da maioria dos olhos claros, não soavam gélidos ou distantes, eles pareciam transbordar vivacidade.

Em um relance ela me abraçou, seu abraço não era frouxo, era irônico pensar que na década que havia maior liberdade sexual, uma doença impediria toques suaves como aperto de mãos e abraços. Naquele momento que a abracei, parecíamos dois viajantes que se encontravam após muito tempo, sendo a segunda ironia pensar que este era nosso primeiro contato. Após retirarmos nossas máscaras, ainda que brevemente, nos sentamos naquela histórica pracinha, as temporalidades entre passado, presente e futuro se bagunçavam em uma gravidade que parecia questionar estas divisões. Quantos espaços havia e quantos tempos existiam ao mesmo tempo… Nossas mentes limitadas precisam de divisões, ansiamos pela lógica, por explicações que enfim nos satisfaçam, porém, são as perguntas que nos movimentam; são em raríssimas vezes que nos damos satisfeitos por essas explicações. O ato de se movimentar é uma ação básica humana, é a ontologia que comporta todas as ontologias, e por isso, pensar que nossas almas se estacionam em espaços pode ser um equívoco.

Não narrarei minhas conversas ou o que aconteceu, mas o que importa é que fomos a um café, o qual demoramos prováveis dez minutos para encontrar. Ela estava engatinhando num mundo em que eu era veterano, cafeterias são o destino que os ex-alcoólatras frequentam — ou dos futuros. Eu pedi uma bebida gelada feita com amarula e cappuccino, além de um sanduíche de queijo com creme de cebolinha e rosbife… Já ela, ela se aventurou em um mocaccino excessivamente doce e um sanduíche de queijo quente que parecia estar bom. Bem, meu almoço, café da tarde e semi-janta estavam apetitosos. Era um lugar elegante, como não havia mesas, ficamos na parte final daquela cafeteria, em confortáveis poltronas, sob uma decoração típica de uma moderna boutique. Aquela cidade unia a tradição ao modernismo. Posso dizer, querido leitor, que foi um dos lugares em que eu fui mais bem atendido. Indubitavelmente, estar acompanhado em uma cafeteria, algo que sempre fiz sozinho, fazia esse lugar tipicamente impessoal, ser caloroso e ao mesmo tempo mágico.

O tempo corria, mas não se arrastava, desde minha chegada até minha saída teríamos apenas cinco horas para nos conhecer, sem qualquer previsão de que poderíamos nos ver novamente, não ali, não naquelas condições. Após o café, saímos andando por uma cidade que estava enfeitada pelas luzes de Natal, aquele lugar que parecia estar no inverno típico das terras do norte. Aquele brilho dourado se somatizava às praças e museus históricos que comportavam narrativas de diversas almas que ali passaram, viveram e se foram.

Andamos até uma outra praça, neste lugar havia uma árvore de Natal que alterava constantemente suas cores, ela ficava em frente a uma igreja, a sua diagonal direita havia um mercado muito antigo, onde, em sua fachada, repousava uma escultura grega belíssima. Esse era o fim de nossa breve travessia, o ônibus com destino a minha cidade chegaria na rodoviária em menos de quarenta minutos, eu precisava de, pelo menos, vinte minutos para chegar a este lugar de carro.

Em gloriosas guerras, aliados trocam presentes por romperem o destino, por desafiarem o mundo e até mesmo por conseguirem fazer milagres. Em um dado momento, senti que aquela moça não me era uma estranha, algo ressoava dentro de nós, e não parecia ser a emoção de jovens presos na adolescência, algo que parecia ser mais antigo que nossas próprias existências. Havia uma confiança mútua, embora o que mais me surpreendesse é que nosso passado e presente evidenciavam uma jornada semelhante… Seus olhos azuis longínquos como o mar me mostravam caminhos, seu olhar brilhava como o de uma menina que havia se apaixonado e quebrado todas as suas crenças racionais, sem qualquer explicação.

Pus-me a zoar que seus olhos estavam cheios de ocitocina, como em um movimento de esgrima, ela respondeu que isso era devido a sua medicação. Não acreditei muito, ao mesmo tempo que me pus em meu lugar quando ela sem tardar respondeu que naquele dia ela não havia se medicado. O segundo passo após um conflito é o fortalecimento entre as alianças dos vencedores. Eu, que possuía três anéis, dei-lhe o único que encaixava em seus dedos, e como presente, recebi um anel que tinha o olho de um deus.

Hórus agora estava em meu dedo, e eu estava sob sua supervisão e proteção. Esta era a divindade que deveria me guiar para completar o pacto que fizemos naquele dia. Como forma de boa-fé, deveríamos viver uma nova aventura em terras desconhecidas, em uma gravidade onde novos desafios nasceriam e novas batalhas precisariam ser travadas. Mas, pela primeira vez em minha vida pude olhar para alguém e não me sentir inferior ou inseguro, pela primeira vez, não me vi como problemático, e ela não se via mais como uma vilã, uma pessoa que fora deixada ao relento por aqueles que foram mais fiéis ao seu ego do que à verdade. Encerrávamos nossa jornada semelhante a uma travessia, sempre jurando que esta seria a última batalha, mas, na verdade, todo final nos conduz a um início. E assim, quando proclamamos nosso final, o destino discorda, informando que nesta eternidade nada há de morrer.

Autor: Matheus B. S. Brandão

Revisor Ortográfico: Wesley Alves

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Matheus B. S. Brandão

Master in International Relations. Amateur writer in his spare time. Enthusiast of philosophy, art and nature.